16/12/2024
Quando surge o questionamento sobre a Reforma Tributária ser positiva (ou não) em um contexto geral para o Brasil, a resposta costuma ser unânime: sim. É raro conhecer pessoas que são contra a transparência dos impostos, a simplificação na cobrança de tributos, a redução da sonegação fiscal, a integração tecnológica e a modernização do sistema tributário. No entanto, quando entramos nos meandros das regulamentações em tramitação, está evidente que existem lados que ganham mais com esse movimento e outros que perdem significativamente. É neste último ponto que precisamos de atenção redobrada.
O sistema previsto na versão do texto do PLP 68/2024 aprovado em sessão plenária do Senado neste mês de dezembro ainda desencadeia desafios aos prestadores de serviços e às micro e pequenas empresas (MPEs). As propostas em andamento geram efeitos colaterais significativos aos pequenos negócios do país e aos prestadores de serviços. E aqui estamos nos referindo a milhões de famílias: afinal, são milhares de médicos, advogados, arquitetos, nutricionistas, engenheiros, fisioterapeutas, desenvolvedores, programadores, que estão alheios a esta discussão e terão que se adaptar a um cenário complexo, principalmente no período de transição (até 2032) em que haverá a coexistência de dois sistemas tributários.
Hoje o setor de serviços paga 8,65% de impostos sobre o seu lucro presumido (considerando a alíquota máxima de 5% de ISS e 3,65% de PIS e COFINS) e, com a nova Reforma Tributária, essa alíquota chegará a 26,5% ou mais. Além disso, ainda existe o impacto na competitividade de mercado para quem atua no Simples Nacional. Apesar do interesse genuíno em preservar as regras existentes deste regime de tributação e não aumentar a carga tributária das MPEs, percebe-se um desconhecimento em relação à realidade e aos interesses dos pequenos empreendedores, que são muitos no quesito volume, mas estão pulverizados em termos de representatividade, não reunindo a influência, a força e o poder necessários para obterem benefícios relevantes e lutarem por sua conservação e competitividade no longo prazo.
Então, imagine esses empreendedores que estão tentando sobreviver ao cenário macro e micro econômico tendo que colocar nessa equação outros fatores determinantes para entender se os tributos das suas empresas aumentarão ou diminuirão: o tipo de serviço que será prestado, o melhor regime tributário a ser escolhido, a possível janela de mudança de regime tributário, a data de recolhimento de imposto na fonte, o perfil do cliente tomador das notas fiscais, ou seja, o contratante final será pessoa física ou jurídica, a geração de créditos tributários, dentre outros pontos relevantes e estratégicos que precisam ser analisados.
Uma das inovações incluídas na proposta da nova Reforma Tributária foi o split payment, onde o valor pago por um comprador é automaticamente dividido entre o vendedor e as autoridades fiscais no momento da transação, seja pela plataforma digital ou no arranjo de pagamento. Esse modelo de arrecadação interfere no fluxo de caixa dos pequenos empreendedores, uma vez que o valor de imposto é antecipado e retido nas fontes de pagamento de serviços, reduzindo então o valor a ser recebido. Tal inovação impacta diretamente a capacidade de reinvestimento no negócio e a movimentação do fluxo financeiro das empresas, dado que, atualmente, esse valor é utilizado para financiar as obrigações da empresa, como o pagamento de fornecedores e funcionários, dentre outras demandas do dia a dia.
Em termos práticos, os prestadores de serviços não receberão mais o valor total da nota fiscal, mas sim o valor líquido de impostos. Esta sistemática reduz o montante recebido pela empresa e impede-a de aplicar o recurso dos impostos em outras despesas necessárias. Dependendo da configuração desta futura regulamentação, o split payment pode diminuir a autonomia na gestão financeira dos pequenos negócios. E como funciona atualmente? Hoje em dia, é possível efetuar o pagamento dos impostos até o dia 20 do mês subsequente.
Por exemplo, uma empresa no regime do Simples Nacional não receberá mais o valor total do serviço prestado ou mercadoria vendida: ao cobrar o valor de 1 mil reais por seus serviços, 265 reais serão descontados de impostos no ato do pagamento (considerando a alíquota de referência estimada em 26,5%), sobrando assim um valor líquido de 735 reais no exato momento do acerto do serviço.
Outro exemplo interessante é o caso de dois prestadores de serviço de tecnologia concorrendo para fornecer suporte técnico para um contratante que está em outro regime, como o Lucro Presumido. Os dois fornecedores são idênticos, faturam 15 mil reais, mas o primeiro, que está na sistemática do IVA, garantiria quase nove vezes mais créditos tributários que o segundo, que está no regime do Simples Nacional recolhendo o IVA integralmente via DAS. Para reflexão, um tomador de serviço interessado nos créditos decidirá por qual empresa para vencer a concorrência: aquela que concede crédito de aproximadamente 440 reais (Simples Nacional) ou a de quase 4 mil reais na sistemática do IVA?
As empresas inscritas no regime Simples Nacional que optarem por recolher o IVA por fora, juntamente às empresas do Lucro Real e do Lucro Presumido, terão direito a créditos tributários sobre custos e insumos da operação, o que reforça a não-cumulatividade plena, ou seja, cobrança de impostos em cascata, mas não resolve a questão na totalidade da cadeia. Uma das novidades aprovadas no Senado foi a opção de alterar a sistemática de tributação do IVA, ou seja, alteração de regime tributário (para CBS e IBS) , duas vezes ao ano (a cada seis meses). As trocas poderão ser feitas em janeiro e julho, mas comunicadas em setembro e abril, respectivamente. Esse ajuste pode ser viável conforme a evolução do negócio, o perfil dos clientes e o desempenho financeiro da empresa.
No entanto, de uma maneira geral, é necessário pensar em todas as empresas que fazem parte do sistema de arrecadação de tributos e, no cenário atual, o Simples Nacional ficará de fora e não poderá tomar crédito dos impostos sobre custos ou insumos que tiver em sua operação em nenhuma etapa, podendo somente repassar crédito para os tomadores no limite dos impostos (IBS e CBS) que serão recolhidos na DAS. Outra desvantagem é o cashback das empresas do Simples Nacional para o consumidor final, que será menor pelo mesmo motivo.
Tudo isso ainda precisa ser associado ao fato de que nos próximos anos (até final de 2032), a nova sistemática de tributação sobre consumo funcionará simultaneamente à que está vigente. Nesse ambiente ainda mais complexo, o apoio próximo de um contador, somado a um planejamento tributário adequado, serão os maiores aliados dos pequenos negócios, tanto nesta fase de transição, quanto agora, onde as empresas já devem refletir, simular e analisar os melhores cenários para as suas operações e estruturar as eventuais mudanças necessárias, uma vez que a nova Reforma Tributária do Consumo entra em vigor em 2026.
Após tantas conversas nos últimos meses e inúmeras evidências no mercado, será que restam dúvidas de que os prestadores de serviços e as MPEs serão impactados negativamente com a chegada da Reforma Tributária? Espera-se que não, porque já está bastante claro de que há muito a ser feito. Por isso, enquanto não chega 2033, a simulação das consequências de regime tributário, a compreensão dos efeitos tributários no preço e no mix de clientes, os resultados práticos no lucro líquido da operação e o custo de aquisição são essenciais para a sustentabilidade dessas empresas.
Entidades empresariais, como a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e a FecomercioSP, têm alertado sobre a necessidade de ajustes no texto da Reforma Tributária para proteger as micro e pequenas empresas optantes pelo regime Simples Nacional. O principal receio é que as novas regras, especialmente em relação à apropriação de créditos tributários, aumentem a carga tributária dessas empresas, prejudicando a sua competitividade.
Os contextos acima são exemplos de como a Reforma Tributária impacta financeiramente os pequenos negócios e os prestadores de serviços. A nova realidade traz a necessidade de maior organização e, em muitos casos, obrigará estratégias de negociações e mudanças de regime. Portanto, é importante buscar auxílio de profissionais capacitados que compreendem a situação das empresas e apresentam opções viáveis, inclusive sugestão de reprecificação dos serviços. Entender os impactos específicos em cada negócio, buscar orientação profissional e escolher um serviço de contabilidade especializado serão passos cruciais para mitigar os riscos e encontrar oportunidades.
As empresas precisam estar atentas à importância de contar com contadores qualificados durante a Reforma Tributária. No período de transição, esses profissionais serão fundamentais para orientar decisões estratégicas e garantir uma adaptação eficaz ao novo sistema. Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária, alertou que, após a implantação da Reforma Tributária, a atuação dos contadores será ainda mais ampla, indo além do simples cumprimento de obrigações fiscais. Eles se tornarão parceiros estratégicos na gestão das empresas, papel que será indispensável para quem deseja se manter competitivo no mercado.
Fonte: Contábeis